Há seis meses, escolas de todo Brasil têm vivido uma nova realidade: a restrição dos celulares na rotina de alunos, dentro e fora de sala de aula. E o que antes era um receio, se tornou impulso para estimular a consciência digital e melhorar o cotidiano escolar como um todo. Em uma investigação que percorreu mais de dez escolas nas cinco regiões do Brasil, das rede pública/privada, uma percepção em comum: recreios mais barulhentos, aulas mais produtivas e um ambiente escolar mais leve e criativo.
Junto a isso, o desafio de transformar um cenário de práticas restritivas em uma cultura de uso consciente das tecnologias na educação. “Vemos um outro ambiente nos intervalos, recreios e nas próprias aulas. Claro que, num primeiro momento, houve alunos tentando burlar, indo com o celular ao banheiro escondido. Mas casos assim têm diminuído cada vez mais", relata Vanderlei Soela, diretor do Marista Dom Silvério, em Belo Horizonte (MG). “O primeiro e maior impacto é, sem dúvidas, na sociabilidade.
Mais do que nunca, a escola tem que ser o lugar que garanta o contato com os diferentes, o momento de troca de ideias, que não sejam mediadas por tecnologia. Nada substitui o olho no olho”, analisa o cientista social e educador, Daniel Magnavita, especialista em educação e inovação. Apesar de algumas confusões envolvendo a Lei 15.100 – entre elas a de que estabelece a proibição de celulares, quando na verdade fala em termos de restrição e usos específicos no contexto escolar – Magnavita enxerga que a medida veio em um momento crucial, de popularização da IA, que traz consigo novas oportunidades de uso pedagógico e novos riscos.
Melhora do foco e atenção
A relação entre redução do uso das telas e aumento da concentração nas atividades é um relato comum entre os professores. O cenário em que telas disputavam a atenção das crianças ficou no passado, ao que tudo indica. "Para se ter uma ideia da gravidade de alguns casos, tínhamos alunos que ficavam se comunicando entre si por WhatsApp, dentro do próprio ambiente escolar em que estavam", afirma Vilso Giron, diretor da Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros, que fica na Zona Sul da capital paulista.
Desde que a lei entrou em vigor, chama atenção a adaptação positiva dos alunos. É o que mostra uma pesquisa, divulgada em junho, em que 51% dos estudantes brasileiros afirmam estarem cumprindo as regras de uso do celular na escola, ainda que 6 em cada 10 estudantes do Ensino Médio continuem levando o aparelho para escola. Os docentes relatam a redução dos níveis de ansiedade dos alunos e o aumento da capacidade argumentativa ao longo das aulas. “Ainda que tenham acesso a ferramentas de pesquisa como tablets e notebooks utilizados com o monitoramento do professor, os estudantes pensam no que vão responder, elaboram e escrevem", revela Soela.
No Colégio Farroupilha (RS), estudantes podem levar celular, mas devem guardá-lo no espaço exclusivo durante o horário das aulas. Segundo a lei, cada escola pode definir seu próprio esquema de porte e guarda dos dispositivos.
Resistências ainda existem
Mesmo com um panorama positivo, muitas escolas ainda enfrentam dificuldades com a implementação das novas restrições. “Ouvindo relatos, principalmente de colegas da rede pública, de que ainda é bem difícil para alguns professores, muitas vezes, exercerem as restrições com os alunos por medo de represálias", observa Iran Pontes. Em fevereiro, um professor foi agredido em Planaltina (DF) fora da escola por alunos após chamar sua atenção sobre o uso de celular durante uma aula. Caso semelhante aconteceu em Belo Horizonte (MG), em maio. "Sabemos que não são casos isolados. Há tantos outros que acontecem, mas não saem na mídia", afirma Iran Pontes, especialista em tecnologia, inovação e educação e professor em quatro escolas no Recife (PE). Para Júlia Beltrão, aluna do 3º Ano do Marista Padre Eustáquio, em BH, a dependência das telas está longe de acabar. “O vício é muito grande. Assim que acaba a aula, está todo mundo olhando o telefone. É quase um desespero para olhar o que você perdeu", revela a estudante, que diz deixar o celular isolado em outro quarto para conseguir se concentrar melhor na hora de estudar.
Consciência digital e uma nova cultura escolar
Segundo especialistas, o momento é estratégico para que escolas e famílias invistam e dialoguem sobre o tema com os jovens, com objetivo de conscientização, mostrando o valor das tecnologias para a educação sem deixar de apontar a necessidade de um uso crítico de suas ferramentas, dentro e fora da escola. As estratégias para sensibilizar e informar alunos e famílias são variadas. “No caso dos adolescentes, é importante que eles entendam os porquês. Caso contrário, isso gera uma revolta.
Na nossa escola, começamos a trabalhar atividades em cima da própria lei. Por que a lei foi criada? Por quem? Quem são os legisladores? Por que o legislativo teve que criar uma lei? Não precisava da lei? Não bastava só uma conscientização?
Aí, fomos ler a legislação com eles, entender o que representa, deixando claros quais são os fundamentos e os objetivos daquilo que está escrito na lei", conta Vilso, da Escola Padre Saboia. A boa resposta e adaptação à lei 15.100/2025 que proíbe o uso de celulares na escola, indica que a decisão foi acertada e que é preciso continuar investindo para que a medida seja adotada não apenas como norma, mas como parte da cultura escolar no mundo atual.